Artigo publicado no jornal Vida Económica a 30 de maio de 2025
A sustentabilidade já não é um conceito periférico — é uma exigência transversal a políticas públicas, estratégias empresariais e decisões individuais. E é no setor público, particularmente através da contratação pública, que esta exigência ganha uma dimensão transformadora.
Ao representar cerca de 14% do PIB da União Europeia, a contratação pública tem um papel estratégico na promoção de modelos de desenvolvimento sustentáveis. O poder de compra do Estado pode — e deve — ser usado como alavanca para impulsionar práticas responsáveis, desde a origem dos produtos até ao impacto social e ambiental dos serviços prestados.
Contudo, apesar do progresso legislativo, ainda são significativos os desafios para a implementação efetiva da contratação pública sustentável.
Apesar das intenções claras, a transição para uma contratação pública efetivamente sustentável enfrenta barreiras importantes.
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Muitas entidades adjudicantes não dispõem ainda dos conhecimentos técnicos suficientes ou dos recursos necessários para integrar critérios ESG nos cadernos de encargos ou para avaliar propostas com base no impacto ao longo do ciclo de vida. Isto é particularmente desafiante em áreas como a construção, onde os critérios ambientais exigem medições detalhadas de emissões, consumos e materiais.
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A tradição da contratação pública baseada quase exclusivamente no menor preço ainda persiste. A introdução de critérios não económicos pode ser vista como arriscada, subjetiva ou difícil de justificar, levando à adoção de práticas conservadoras.
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Sem métricas claras e instrumentos de avaliação do impacto, torna-se difícil validar os benefícios da CPS. A ausência de indicadores também dificulta a comparação de propostas e a responsabilização das entidades contratadas.
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Por vezes, a pressão para cumprir metas de execução orçamental ou acelerar investimentos entra em conflito com os requisitos de sustentabilidade. Esta tensão entre eficiência imediata e impacto a longo prazo é um dos maiores dilemas da contratação pública atual.
Apesar dos desafios, há sinais positivos. O setor segurador, por exemplo, tem vindo a adaptar-se às exigências da contratação sustentável através da criação de produtos inovadores, como seguros que promovem práticas ecológicas ou que integram critérios ESG na gestão de risco.
A adesão aos Princípios para o Seguro Sustentável da UNEP-FI (Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) é uma forma de reforçar o compromisso com a sustentabilidade e obter vantagem competitiva nas candidaturas a contratos públicos.
Além disso, as seguradoras que demonstram condutas sustentáveis — como baixa taxa de reclamações ou elevada eficiência na resolução de litígios — podem ser valorizadas no processo de adjudicação. A Norma Regulamentar n.º 7/2022-R da ASF, que exige a divulgação de indicadores de qualidade e reclamações, é um exemplo claro de como a sustentabilidade pode ser tangibilizada através de métricas concretas.
A sustentabilidade na contratação pública não deve ser vista como um entrave ou um encargo adicional. Deve ser entendida como uma ferramenta de valorização do investimento público. Contratos que integram critérios ambientais e sociais tendem a gerar impactos positivos a médio prazo: menos desperdício, menor pegada ambiental, maior inclusão social, e melhor reputação para as entidades envolvidas.
O foco na sustentabilidade também favorece a inovação — tanto no setor privado, que se adapta para responder a novas exigências, como no setor público, que repensa os seus critérios e processos. Isto exige um esforço conjunto: legisladores, decisores públicos, fornecedores e consultores devem trabalhar lado a lado para transformar a legislação em impacto real.
“Comprar de forma sustentável é, acima de tudo, escolher construir um futuro melhor com os recursos públicos que temos hoje.”
Luís Arruda | Senior Director – Contratação Pública
Para que a contratação pública possa cumprir o seu potencial transformador, é necessário reforçar a capacitação das entidades públicas, apostando em formação contínua sobre critérios ESG e metodologias de avaliação, simplificar os procedimentos administrativos, reduzindo a burocracia associada à inclusão de critérios sustentáveis e criar incentivos claros, financeiros e reputacionais, para premiar fornecedores com práticas responsáveis.
Para além disso, as empresas devem estabelecer métricas e indicadores de desempenho sustentáveis, permitindo monitorizar e melhorar continuamente as práticas de contratação e fomentar o diálogo entre setor público e privado, através de consultas preliminares ao mercado e partilha de boas práticas.
A contratação pública sustentável é uma oportunidade estratégica para transformar a forma como o Estado compra, impulsionando uma economia mais verde, inclusiva e resiliente. Mas essa transformação só será possível se acompanhada por uma mudança cultural profunda: uma nova forma de pensar, contratar e avaliar.
Comprar de forma sustentável é, acima de tudo, escolher construir um futuro melhor com os recursos públicos que temos hoje.