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Artigo

Gender Pay Gap: A lei já existe. E a prática?

Artigo publicado na revista Human Resources Portugal na edição de agosto de 2023

24 agosto 2023

Em 2023, foi aprovada a nova diretiva da União Europeia que vem regular a transparência e equidade salarial. Em Portugal, mais de 1500 empresas já foram notificadas por desigualdade salarial.
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Nos últimos anos, o tema da equidade salarial tem sido espelhado na legislação laboral de vários países, incluindo a divulgação pública das disparidades salariais. Em 2021, a Comissão Europeia deu um importante passo nesse sentido, com a apresentação de uma proposta de diretiva relativa à transparência salarial, com o objetivo de garantir que, por trabalho de igual valor, os colaboradores recebem salário igual, independentemente do seu género. A aprovação da legislação em março deste ano significa que os países membros da União Europeia têm um prazo de três anos, ou seja, até 2026, para a transpor para o direito nacional, adaptando obviamente à realidade de cada país.

Simultaneamente, no âmbito da lei n.º 60/2018, em vigor desde 2019, que regula a igualdade de salários entre homens e mulheres, recentemente a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) notificou 1540 entidades empregadoras com 50 ou mais trabalhadores, cerca de 20% das empresas portuguesas, que apresentam uma desigualdade salarial igual ou superior a 5%. Segundo dados da própria ACT, atualmente a diferença salarial entre mulheres e homens é de 13,3%, o que corresponde a mais de 48 dias por ano em que as mulheres deixariam de ser remuneradas pelo seu trabalho.

Estes dois temas, a transparência salarial e a equidade salarial, já estão na agenda de muitas empresas, que estão a tomar medidas nesse sentido, não só pela legislação nacional, mas também para preparar a entrada em vigor da diretiva europeia.

Foi com este mote que a Human Resources Portugal, em parceria com a WTW Portugal, promoveu mais um Pequeno-Almoço Debate, para perceber qual o “estado da arte” das empresas em Portugal em termos de equidade salarial, como estão a ver esta “vigilância” da ACT, que mudanças acreditam ir ser necessárias e como vão ser implementadas dentro de cada organização, e de que forma afetará os modelos de gestão e a sustentabilidade das próprias empresas, no curto e médio prazo. Para isso, reuniram, na sede da WTW Portugal, em Lisboa, 13 especialistas de vários sectores como retalho, comunicação e saúde, multinacionais prestadoras de serviços, e ainda do sector legal, para refletir sobre o tema e partilharem as suas opiniões e experiências.

Participaram Ana Amado, diretora de Flex Benefits da WTW; Ana Gama Marques, diretora de Recursos Humanos da Altice; Carla Caracol, diretora de Recursos Humanos do Grupo Renascença; Elsa Carvalho, head of Business Development da WTW; Filipa Figueira, HR Associate Director da MSD; Isabel Borgas, diretora de Pessoas e Organização da NOS; José Miguel Vaz, Organizational, Reward and Analytics Deputy diretor da EDP; Marco Serrão, Chief People Officer da Galp; Marina Santos Sobreiro, head of Compensation and Benefits do BPI; Patrícia Macedo, senior associate Retirement na WTW; Pedro Henriques, diretor de Recursos Humanos da Siemens; Rita Canas da Silva, partner da Sérvulo e Rita Távora, Country Talent Development manager da IKEA.

Desigualdade salarial ou reporte desadequado?

O enquadramento que serviu como ponto de partida para o debate foi feito pela WTW, que tem estado a trabalhar com algumas organizações temas que vão desde a necessidade de qualificação de funções, reskilling, revisão dos critérios de reporte de informação, critérios de gestão, entre outros, e faz notar que «tem havido um trabalho interno das empresas de tentar perceber o porquê da notificação de incumprimento», que será também o objetivo da ACT «trazer o tema para a agenda», levar as empresas a olhar para o tema da equidade salarial de uma forma mais séria.

A questão recai no facto de ainda não ser «totalmente claro para as empresas exatamente o que têm de fazer e até quando». Na notificação da ACT, referiam-se 120 dias a que a lei obriga para resposta. «Acontece que, pouco depois, a ACT veio novamente notificar as empresas que os 120 dias eram úteis e não corridos», dando mais tempo às empresas para preparar a respetiva resposta. Esta prevê «um timeline que, basicamente, terá a ação que a empresa tem de fazer, qual o prazo em que o vai fazer, e quais são os resultados específicos dessa visão». Algumas empresas «têm efetivamente problemas de desigualdade salarial», realça-se, porém outras «têm um problema de reporte no relatório único, porque até então tinha outros fins que não estes».

«Após estes 120 dias, as empresas terão um ano para fazer os estudos necessários, executarem o plano de avaliação que constou na resposta à ACT e, findos esses 12 meses, têm de mostrar à ACT o que fizeram, justificar as diferenças encontradas, e, caso persistam discrepâncias que não consigam ser justificadas, têm de ser eliminadas», esclarece-se. Acontece que, enquanto a diretiva prevê cerca de 5% de desigualdade, a legislação portuguesa não contempla qualquer valor mínimo de threshold (diferença limite) e a questão que se levanta é «até que ponto algumas empresas terão a capacidade – inclusivamente financeira – de, no prazo de um ano, corrigirem todas estas diferenças, e como vai a ACT reagir nesses casos».

Os especialistas presentes reconhecem que é tarefa difícil as organizações terem informação atualizada. «Um colaborador que começou na empresa com 20 anos, com o ensino secundário e, entretanto, hoje já tem um MBA, se não partilhar essa informação com a empresa, esta não a atualizou e não a reportou», exemplifica-se. Um homem pode estar a ganhar mais porque é mais qualificado, mas o reporte não espelha isso. Ou o caso das empresas que recorrem a outsourcing e que «cotaram todas as pessoas na mesma categoria profissional; obviamente, vão ter uma desigualdade salarial».

Outros fatores mencionados para justificar a disparidade salarial entre géneros passam pela predisposição para o risco – uma característica mais típica do género masculino –, que se traduz numa maior mudança de emprego e, consequentemente, em «salários um pouco mais alavancados do que muitas mulheres» e o impacto da maternidade, que «acontece numa altura importante de crescimento das suas carreiras». E realça-se que, no fundo, são estas diferenças na sociedade que «esta legislação e as empresas têm de certa forma suavizar para que não haja situações de desigualdade salarial».

Existe, portanto, uma panóplia de situações que se enquadram em dois grandes pilares: uma de problema de reporte no relatório único e outra de problema efetivo de desigualdade remuneratória. Ainda que a maioria das organizações tenha políticas de igualdade, efetivá-las numa igualdade remuneratória constitui um enorme desafio.

Incontornável é que as empresas não o podem ignorar. «Associadas à prática da infração, estão previstas contraordenações graves e muito graves», sendo que, nestas últimas, dependendo do volume de negócios, pode ir no máximo até 16 200 euros por infração, ou seja, por cada caso. Prevêem-se também sanções acessórias, como «a privação de possibilidade de participar em concursos ou arrematações públicas durante um prazo de dois anos».

Passar da teoria à prática é um desafio

Uma especialista partilha a experiência da sua empresa, que enfrenta não uma questão de desigualdade salarial de género, mas sim de funções. «O grande desafio, que estamos a concluir agora na renovação do acordo da empresa, passando para um acordo coletivo, é conseguir avaliar as funções seguindo as orientações da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e, por isso, estamos a trabalhar este projeto já no sentido de preparar para o que são as exigências futuras.» A falta de competências suficientes para estes processos e a dificuldade em cumprir os prazos dados pela gestão face ao planeamento interno «está a atrasar imenso a implementação do acordo coletivo que, para nós, é crítico para a atividade».

Ainda que seja um tema controverso e imposto, o facto de acelerar mudanças «é o único aspeto positivo destas alterações por via legislativa», acrescenta-se. E se há uns anos, a equidade salarial «vinha em último lugar, sobretudo ao nível da administração», hoje está na ordem do dia, e «os gestores que mantenham esse posicionamento não ficam bem na fotografia».

Mais do que responsabilidade social, realça-se que «é uma questão de imagem, também da gestão, é um posicionamento público relativamente ao que aquela entidade entende sobre uma questão de justiça», pelo que «nada ter, nada fazer, ou muitas vezes, sem olhar para dentro, dizer não temos problema nenhum quando o tema é altamente complexo» não é opção. Até porque, mesmo do ponto de vista jurídico, alerta-se que, «face aos critérios legais de comparação do que é trabalho igual e salário igual, e face à informação que cada empresa tem quanto ao perfil de funções, categorias ou níveis, há imensa dificuldade de como essa comparação é feita», principalmente quando a legislação nacional é completamente omissa relativamente a isso. Em Espanha, por exemplo, «na legislação há um elenco claro de critérios a ser considerados para se proceder a essa comparação».

Contudo, o lado jurídico ajuda um pouco, uma vez que «há uma série de jurisprudência, sobretudo do tribunal de justiça da União Europeia, que tem vindo a ser publicada a respeito do que se entende por trabalho igual, salário igual». E exemplifica-se com um caso no Reino Unido, o dos supermercados Asda, em que os trabalhadores dos corredores de supermercados eram maioritariamente do sexo feminino e os de armazém maioritariamente do sexo masculino.

«Naturalmente, as grelhas salariais não revelavam tratamento desigual entre género, ou seja, se houver um homem e uma mulher no mesmo corredor vão ganhar exatamente o mesmo, e no armazém a mesma coisa», por isso, para a empresa, não havia desigualdade salarial. Não havia salário diferente para funções iguais, mas as mulheres estavam todas numa função pior paga. Alegando que «as funções são equivalentes, em termos de esforço, de perfil, habilitações, experiência necessária», as trabalhadoras conseguiram demonstrar essa equivalência em tribunal, tendo sido reposicionadas no mesmo nível salarial dos trabalhadores de armazém.

De notar que «as notificações da ACT foram com base neste critério das funções idênticas» e não das funções de igual valor. Há também quem lembre que há alguma falta de formação dos inspetores daquela entidade para determinadas questões, pelo que «é provável que, no longo prazo, aumentem os processos em tribunal».

Os sistemas de qualificações de funções

Analisando as duas bases em que assenta a nova diretiva europeia – a equidade salarial e a transparência salarial – constata-se que esta última obrigará a uma «mudança do ponto de vista da gestão e nas bandas salariais a publicar nos anúncios de emprego». Ou seja, se os colaboradores «quiserem saber os critérios pelos quais estão posicionados e têm determinados tipos de salário face aos colegas», a empresa terá de preparar determinado tipo de reporting para disponibilizar essa informação.

Do ponto de vista da equidade, vai obrigar as empresas a olhar para os sistemas de qualificação de funções, já que são estes que medem a responsabilidade, dão o conteúdo e a função de igual valor. «O sistema vai obrigar a olhar para esse tema e tentar perceber qual o peso relativo da qualificação de funções na totalidade da estrutura da empresa», realça-se. Muitas já o fazem, mas com o seu próprio sistema interno, e agora vão ter de «testar e validar», para determinar «mediante critérios objetivos» o que significa função de igual valor.

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