Entrevista publicada na revista Exame a 14 de maio de 2025
Num mundo marcado por rápidas transformações tecnológicas, desafios climáticos crescentes e incertezas geopolíticas, as organizações enfrentam um panorama de risco cada vez mais complexo e interligado.
Luís Teixeira, Risk & Broking Sales Leader da WTW Portugal, fala-nos sobre o mais recente estudo global da consultora Emerging and Interconnected Risks Survey – que revelacomo as empresas estão a redefinir as suas prioridades na gestão de riscos, e o que distingue aquelas que melhor se posicionam para prosperar num contexto de incerteza.
Quais as conclusõesmais surpreendentes do mais recente relatório Emerging and Interconnected Risks Survey? Há diferenças substanciais face ao anterior?
Desde 2021, as organizações enfrentam um panorama de risco cada vez mais complexo. A principal surpresa do novo estudo foi a perceção de que “tudo” é um risco emergente: foram referidos 752 riscos diferentes, com 652 designações únicas. Isto mostra como se tornou difícil paraas empresas distinguirem entre riscos reais e percebidos.
“As empresas estão a redefinir as suas prioridades na gestão de riscos e o que distingue aquelas que melhor se posicionam para prosperar num contexto de incerteza.”
Luis Teixeira | Risk & Broking Sales Leader da WTW Portugal
As alterações climáticas continuam no topo das preocupações, agora desdobradas em seis subcategorias ambientais. Já a Inteligência Artificial, ausente em 2021, surgiu em força com 36 formas distintas de risco. Por outro lado, a pandemia perdeu relevância, revelando o impacto do viés de recência.
O estudo também revela que 86% dos inquiridos desconhecem a definição de riscos emergentes usada internamente e 50% não consegue identificar os seus cinco principais riscos. Esta falta de clareza Compromete a capacidade de transformar riscos em oportunidades. A boa notícia é que empresas que adotam abordagens consistentes superam os seus pares – independentemente da sua dimensão. A chave está em abandonar abordagens isoladas e investir numa visão integrada dos riscos.
Como poderão as empresas gerir orisco face a desafios constantes num cenário global em mudança?
Grande parte das empresas está realmente empenhada em perceber o que está a mudar e, para isso, fazem sobretudo análises qualitativas dos vários riscos a que estão expostas de forma isolada, analisando vários horizontes temporais. Para este exercício, muitas vezes participam em eventos Nas suas indústrias, acompanham o que Dizem as suas entidades reguladoras, estudam relatórios de entidades governamentais e monitorizam os mercados financeiros. Este exercício permite mapear os vários riscos a que estão expostas. Para 2025–2026, planeiam reforçar estruturas internas, testar coberturas de seguros e desenvolver cenários quantitativos para medir impactos financeiros. As empresas com melhor desempenho já estão a implementar estas práticas e procuram ir mais longe, antecipando riscos com abordagens mais robustas e integradas na sua estratégia.
Como lidar com a dualidade da tecnologia – simultaneamente motor de crescimento e fonte de risco?
A tecnologia domina o top dos riscos emergentes. A cibersegurança, por exemplo, permanece como grande preocupação, agora interligada com temas como IA e proteção de dados. A velocidade das inovações desafia as empresas a antecipar consequências e oportunidades. Dado que 51% dos inquiridos estão no mercado há mais de 20 anos, o ritmo de mudança que viram tem sido extraordinário. E o desafio passa por imaginar quais as mudanças esperadas nos próximos 10 anos. A sociedade tem temido a maioria das novas tecnologias ao longo da história porque o seu uso parece desconectado dos processos naturais e cria disrupção. A história demonstra, no entanto, que pode haver benefícios significativos quando os líderes abraçam as complexidades das novas tecnologias e tomam medidas para antecipar e gerir riscos.
Há regiões ou setores mais expostos?
O que realmente se destacou nas conclusões deste estudo foi o panorama de risco profundamente complexo e interligado. Nenhuma indústria, região ou empresa pode operar sozinha. Entre maio e outubro de 2024 (período do survey) ocorreram eventos globais como furacões, colapsos de infraestruturas, conflitos geopolíticos e eleições. Mesmo empresas que não foram afetadas diretamente sentiram impactos através das suas cadeias de abastecimento.
Quaisos principais desafios de gestão e recursos humanos neste novo contexto?
As pessoas são essenciais para transformar o futuro das empresas e, embora isso não esteja diretamente visível nos rankings de risco, a perspetiva do capital humano está presente nas razões pelas quais os riscos foram escolhidos. Por exemplo, alguns inquiridos escolheram IA e descreveram o impacto do aumento do conhecimento dos seus trabalhadores em IA Generativa como um potencial risco de fuga de talento. E isto é transversal na forma como as empresas pensam sobre todos os riscos ao longo do survey. Uma abordagem integrada permite conectar os riscos à estratégia e cultura organizacional da empresa, incluindo os recursos humanos.
Os riscos emergentes podem também representar oportunidades. Como capitalizá-las?
Rever os riscos emergentes também envolve considerar oportunidades e vantagens competitivas. Mudar de mercados, lançar novos produtos ou rever a estratégia com foco no crescimento são exemplos de atividades que aproveitam os riscos emergentes. No entanto, ao examinar todos os comentários deste survey, verificamos que o foco das respostas estava muito no lado do risco e não no lado da oportunidade. O primeiro passo passa por desenvolver uma definição sólida de riscos emergentes e comunicar de forma clara com toda a organização. E curiosamente, 86% dos inquiridos acharam muito difícil responder a esta questão. A comunicação interna desempenha um papel crucial no processo. Com um modelo de colaboração e comunicação interna entre os vários departamentos, as organizações estarão melhor preparadas para criar um impacto financeiro positivo, focando-se também nas oportunidades, e planear estrategicamente com maior confiança, uma vez que toda a empresa está alinhada.
E nomercado português, como se posicionamasempresas?
Portugal partilha riscos com o resto do mundo, mas enfrenta desafios próprios. A maturidade da gestão de risco varia, sendo mais robusta em grandes empresas e grupos expostos a mercados exigentes. Ainda assim, há um caminho a percorrer entre check lists básicos e modelos de governança que gerem valor estratégico. Uma estratégia de mitigação robusta, quantificável e concreta para cada risco ainda não foi universalmente consolidada em Portugal.
A cibersegurança e o risco climático são cada vez mais considerados. Empresas industriais, pressionadas por clientes internacionais, preocupam-se em rever ou implementar Planos de Continuidade de Negócio e a avaliar riscos nas suas cadeias de fornecimento. Em setores como a indústria, o turismo ou infraestruturas, é cada vez mais frequente fazerem-se estudos de impacto climático para novos investimentos.