Artigo publicado no jornal Vida Económica a 13 de dezembro de 2024
A condução, que sempre foi sinónimo de erro humano, está a passar para as mãos da inteligência artificial. Com esta transição, emergem questões profundas sobre responsabilidade e cobertura de riscos, que exigem uma reformulação completa das bases do setor segurador.
Nos modelos tradicionais de seguro automóvel, o foco está no condutor. As apólices são calculadas com base no risco humano: velocidade excessiva, distrações ou negligência. Contudo, num cenário em que a condução é gerida por sistemas autónomos, esta lógica torna-se obsoleta. A pergunta essencial já não é "Quem cometeu o erro?" mas sim "Quem é responsável quando a tecnologia falha?"
Diretor – Corporate Risk & Broking da WTW
A resposta que começa a ganhar consenso é a transição para um modelo de responsabilidade pelo produto. Neste modelo, os fabricantes – e potencialmente outros atores, como desenvolvedores de software e fornecedores de tecnologia – poderão assumir a responsabilidade pelos danos causados por falhas técnicas ou mau funcionamento do sistema.
Este novo paradigma não é simples. Envolve uma análise detalhada para atribuir responsabilidades de forma justa:
Para os utilizadores finais, isto pode significar uma diminuição na responsabilidade individual e, potencialmente, custos de seguro mais baixos. Contudo, a transição traz desafios éticos e legais, como o impacto em casos de acidentes causados por decisões automatizadas – e nem sempre transparentes – dos sistemas de inteligência artificial.
A complexidade dos riscos associados aos VA está a forçar o setor segurador a reinventar-se. Os produtos tradicionais, focados no comportamento do condutor, já não respondem adequadamente às necessidades desta nova era. Surge, assim, a necessidade de desenvolver seguros híbridos e inovadores, capazes de cobrir tanto riscos cibernéticos como falhas tecnológicas.
Entre as soluções em debate destacam-se:
É, hoje, necessário criar uma solução nova – um modelo de responsabilidade para veículos autónomos, que englobe múltiplas partes interessadas e ofereça coberturas adaptadas aos diferentes cenários de utilização.
A personalização das apólices é essencial, uma vez que os VA têm uma ampla gama de utilizações, desde frotas de transporte comercial até táxis autónomos ou veículos privados. Cada caso apresenta riscos distintos, exigindo apólices ajustadas às especificidades do cliente e ao nível de automação do veículo.
A evolução dos veículos autónomos está intimamente ligada ao desenvolvimento de regulamentos claros e harmonizados. Contudo, o panorama regulatório continua fragmentado. Nos Estados Unidos, enquanto estados como a Califórnia avançam com requisitos rigorosos, outros, como o Texas, adotam abordagens mais permissivas para atrair investimentos.
Esta falta de uniformidade dificulta o desenvolvimento de seguros universais e cria incerteza para os consumidores e fabricantes. Por exemplo:
Para os legisladores, a tarefa não é apenas estabelecer normas de segurança, mas também facilitar o desenvolvimento de seguros que protejam os utilizadores e incentivem a inovação sem comprometer a confiança pública.
Os veículos autónomos estão a redesenhar o setor segurador, trazendo uma oportunidade única para inovar em produtos e modelos de negócio. Contudo, esta revolução não pode ser conduzida isoladamente. A colaboração entre fabricantes, seguradoras, reguladores e consumidores será essencial para criar um sistema que equilibre segurança, justiça e inovação.
O caminho para a adoção plena de VA está repleto de desafios, mas, ao transformar a forma como pensamos a responsabilidade e os seguros, também abre uma janela para um futuro mais eficiente, seguro e sustentável. Para a indústria seguradora, esta é uma oportunidade de liderar a mudança, reinventando-se para responder às complexidades deste novo paradigma.