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Artigo

Autonomia sobre rodas: uma nova era para os seguros e a responsabilidade

Artigo publicado no jornal Vida Económica a 13 de dezembro de 2024

Por José Barqueiro | 13 dezembro 2024

Os veículos autónomos (VA) estão a transformar rapidamente o panorama da mobilidade global, introduzindo novos desafios para os sistemas legais e os modelos de seguro.
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A condução, que sempre foi sinónimo de erro humano, está a passar para as mãos da inteligência artificial. Com esta transição, emergem questões profundas sobre responsabilidade e cobertura de riscos, que exigem uma reformulação completa das bases do setor segurador.

De quem é a culpa? A redefinição da responsabilidade

Nos modelos tradicionais de seguro automóvel, o foco está no condutor. As apólices são calculadas com base no risco humano: velocidade excessiva, distrações ou negligência. Contudo, num cenário em que a condução é gerida por sistemas autónomos, esta lógica torna-se obsoleta. A pergunta essencial já não é "Quem cometeu o erro?" mas sim "Quem é responsável quando a tecnologia falha?"

José Barqueiro
José Barqueiro

Diretor – Corporate Risk & Broking da WTW

A resposta que começa a ganhar consenso é a transição para um modelo de responsabilidade pelo produto. Neste modelo, os fabricantes – e potencialmente outros atores, como desenvolvedores de software e fornecedores de tecnologia – poderão assumir a responsabilidade pelos danos causados por falhas técnicas ou mau funcionamento do sistema.

Este novo paradigma não é simples. Envolve uma análise detalhada para atribuir responsabilidades de forma justa:


  • Os fabricantes de veículos poderão ser responsabilizados por falhas na integração entre os sistemas autónomos e os componentes tradicionais.
  • Os desenvolvedores de software poderão ser responsabilizados por erros de código ou insuficiências nos algoritmos que regem o comportamento dos VA.
  • Os fornecedores de tecnologia, como sensores e sistemas de navegação, também enfrentarão escrutínio quanto à fiabilidade dos seus produtos.

Para os utilizadores finais, isto pode significar uma diminuição na responsabilidade individual e, potencialmente, custos de seguro mais baixos. Contudo, a transição traz desafios éticos e legais, como o impacto em casos de acidentes causados por decisões automatizadas – e nem sempre transparentes – dos sistemas de inteligência artificial.

Uma nova abordagem ao seguro automóvel

A complexidade dos riscos associados aos VA está a forçar o setor segurador a reinventar-se. Os produtos tradicionais, focados no comportamento do condutor, já não respondem adequadamente às necessidades desta nova era. Surge, assim, a necessidade de desenvolver seguros híbridos e inovadores, capazes de cobrir tanto riscos cibernéticos como falhas tecnológicas.

Entre as soluções em debate destacam-se:

  1. Coberturas cibernéticas: Uma vez que os VA dependem de software e conectividade, existe o risco de ataques cibernéticos que comprometam o sistema ou roubem dados pessoais.
  2. Falhas técnicas: Seguros que cubram avarias ou erros em sistemas como LiDAR, câmaras ou algoritmos de decisão.
  3. Responsabilidade partilhada: Produtos que distribuam a responsabilidade entre diferentes atores, incluindo fabricantes, fornecedores de tecnologia e utilizadores.

É, hoje, necessário criar uma solução nova – um modelo de responsabilidade para veículos autónomos, que englobe múltiplas partes interessadas e ofereça coberturas adaptadas aos diferentes cenários de utilização.

A personalização das apólices é essencial, uma vez que os VA têm uma ampla gama de utilizações, desde frotas de transporte comercial até táxis autónomos ou veículos privados. Cada caso apresenta riscos distintos, exigindo apólices ajustadas às especificidades do cliente e ao nível de automação do veículo.

O papel da regulação no setor dos seguros

A evolução dos veículos autónomos está intimamente ligada ao desenvolvimento de regulamentos claros e harmonizados. Contudo, o panorama regulatório continua fragmentado. Nos Estados Unidos, enquanto estados como a Califórnia avançam com requisitos rigorosos, outros, como o Texas, adotam abordagens mais permissivas para atrair investimentos.

Esta falta de uniformidade dificulta o desenvolvimento de seguros universais e cria incerteza para os consumidores e fabricantes. Por exemplo:

  • A ausência de padrões nacionais impede a criação de apólices que se apliquem uniformemente a nível global ou regional.
  • A diversidade de níveis de automação (de sistemas de assistência ao condutor até automação total) exige regulamentos específicos para cada nível, afetando diretamente o tipo de cobertura necessária.

Para os legisladores, a tarefa não é apenas estabelecer normas de segurança, mas também facilitar o desenvolvimento de seguros que protejam os utilizadores e incentivem a inovação sem comprometer a confiança pública.

Conclusão: inovação com responsabilidade

Os veículos autónomos estão a redesenhar o setor segurador, trazendo uma oportunidade única para inovar em produtos e modelos de negócio. Contudo, esta revolução não pode ser conduzida isoladamente. A colaboração entre fabricantes, seguradoras, reguladores e consumidores será essencial para criar um sistema que equilibre segurança, justiça e inovação.

O caminho para a adoção plena de VA está repleto de desafios, mas, ao transformar a forma como pensamos a responsabilidade e os seguros, também abre uma janela para um futuro mais eficiente, seguro e sustentável. Para a indústria seguradora, esta é uma oportunidade de liderar a mudança, reinventando-se para responder às complexidades deste novo paradigma.

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Diretor – Corporate Risk & Broking da WTW
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