Artigo publicado no jornal Vida Económica a 8 de março de 2024
O Seguro de Acidentes de Trabalho surge em Portugal em 1913 e visa garantir, através da transferência de responsabilidades das empresas para uma seguradora, a reparação dos danos corporais sofridos pelos funcionários quando se encontrem por conta e ordem da entidade empregadora.
Tratando-se de um direito centenário dos trabalhadores em Portugal, pelo qual já passaram várias gerações de portugueses em atividade laboral, possui, ainda assim lacunas que não acompanharam as mudanças dos tempos vividos no nosso país nos últimos anos, ainda que tenha vindo a sofrer alterações ao longo deste período.
A título de exemplo e olhando para um caso muito concreto, cada vez mais habitual, até pelas constantes variações da economia e emprego na sociedade portuguesa, o Pluriemprego é efetivamente uma lacuna não prevista na nossa legislação e que efetivamente necessita de um olhar mais aprofundado por parte do legislador.
Analisando a questão, perante um acidente de viação “in itinere” e de acordo com o estabelecido no DL 98/2009 que regulamenta o ramo de acidentes de trabalho e doenças profissionais, os danos corporais do colaborador decorrentes desse acidente encontram-se garantidos no âmbito da apólice de acidentes de trabalho e como tal o direito do trabalhador salvaguardado desde que tal ocorra “entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”. No entanto, sendo uma situação de Pluriemprego nenhuma das apólices responde, quer seja a da empresa de onde o colaborador saí, quer seja a empresa para a qual o colaborador se desloca uma vez que a referida legislação é omissa quanto a este ponto.
A única forma de podermos suprimir este campo cinzento da legislação, passa por o colaborador se deslocar sempre á sua residência habitual antes de iniciar o percurso para o outro emprego.
No entanto, numa eventual situação de baixa para o trabalho, o colaborador será sempre ressarcido pela seguradora no âmbito da apólice da empresa da qual havia saído e como tal, com base no salário que aufere na mesma, ficando assim penalizado no que ao salário do segundo empregador diz respeito, sendo que também para essa função se encontra incapacitado face à lesão sofrida no primeiro empregador.
Outra situação típica e recorrente no desafio diário de gestão dos acidentes de trabalho é o famoso caso, igualmente esquecido pelo DL 98/2009 das despesas efetuadas em viatura própria pelos trabalhadores sinistrados aquando das deslocações efetuadas em viatura própria, por exemplo para a realização de tratamentos.
Apesar de o DL 98/2009 contemplar o reembolso das despesas de deslocação efetuadas pelos trabalhadores, não refere no entanto qual o valor a liquidar ao referido colaborador nas situações em que se desloca na sua própria viatura. Por outro lado, vivemos num ambiente económico de constantes aumentos e variações, nomeadamente ao que aos combustíveis diz respeito, pelo que um olhar mais aprofundado sobre o tema é bastante pertinente.
No que diz respeito a outros meios de transporte (essencialmente transportes públicos), não se afiguram discordâncias, na medida em que as seguradoras liquidam habitualmente os custos suportados pelos sinistrados mediante a apresentação do respetivo comprovativo de transporte.
As seguradoras têm vindo a tentar solucionar esta questão com base em decisões internas, colmatando as omissões da Lei, sendo que tal poderá ser causador de discrepâncias e injustiças uma vez que não se tratando de um preceito legal, assistimos a valores distintos entre as várias seguradoras a operar em Portugal.
Torna-se assim necessária uma análise atenta quer por parte das seguradoras, quer por parte do legislador, assim como uma reflexão sobre os tempos futuros que iremos viver para que seja possível adequar a legislação relativamente a uma problemática que abarca todos os trabalhadores por conta de outrem em Portugal, até porque, o novo desafio da Inteligência Artificial virá em breve a caminho do mercado segurador e provavelmente as alterações que daí decorrerem irão com toda a certeza suscitar muitas dúvidas, interpretações e necessidades que terão que ser urgentemente suprimidas, sob pena de recuarmos algumas décadas relativamente à celeridade do tratamento dos sinistros de acidentes de trabalho em Portugal.
O futuro é o desafio, antecipá-lo é a grande missão.