Artigo publicado no jornal Vida Económica a 8 de setembro de 2023
Curiosamente, este último verão têm sido muitas mais as tardes soalheiras. Dir-se-á que é apenas uma perceção de leigo, mas não é necessário ser cientista para perceber que este céu limpo é uma consequência do extremar dos contextos climáticos. Só neste verão, e olhando “apenas” para o continente europeu, para além dos incêndios florestais que têm atormentado Portugal, Grécia e Espanha e para o qual muito contribuem as elevadas temperaturas registadas (o mês de julho mais quente alguma vez registado!) assistimos a inundações severas no centro e norte da Europa (Itália, Eslovénia, Noruega) onde se registam níveis de precipitação muito intensos. Fenómenos extremos com custos a todos os níveis elevadíssimos e que deixam cicatrizes profundas.
Enfrentamos um desafio sem precedentes. É fundamental atrasar e se possível reverter este processo e cabe-nos a todos um papel ativo como cidadãos, gestores, pais. Podemos e devemos ser diligentes e exigentes na proteção do nosso futuro naquela que será seguramente uma batalha – porque é do que se trata, uma batalha – longa. Temos por isso que, em paralelo, encontrar soluções que ajudem a atenuar o impacto imediato dos eventos extremos a que estamos expostos, e é aqui que a indústria seguradora pode e deve ser um pilar. Contribuindo por outro lado para auxiliar uma mais rápida recuperação económica e por outro lado a fomentar uma cultura maior de prevenção e combate ao risco moral existente e que se traduz, grosso modo, em não parar para pensar no assunto porque “isto ainda vai abrir”.
De acordo com Banco Central Europeu (BCE), estima-se que na UE apenas 25% das perdas financeiras decorrentes de atos da natureza estão abrangidas por um seguro, mas uma vez mais a média esconde realidades nacionais onde o grau de cobertura por parte do mercado segurador é superior a 50% (por exemplo Noruega) e inferior a 5% por exemplo Itália ou Grécia (Portugal situar-se-á num intervalo entre 5% e 20%). Mesmo falando de economias desenvolvidas, que possam ter níveis de poupança e /ou acesso a mercados de capital, trata-se de um gap muito significativo pois falamos da capacidade de minimizar efeitos económicos (financiar mais rapidamente a substituição e/ou reconstrução de bens e reduzir o período de paralisação de atividades) causados por eventos que estão estatisticamente ser mais frequência e mais severos.
Perante estes dados, o BCE considera que os impactos de fenómenos climáticos extremos podem ter implicações macroeconómicas significativas para as economias da UE e por isso publicou conjuntamente com a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) um estudo que visa propor medidas que reforcem uma estratégia de aumento do grau de cobertura dos riscos por parte do mercado segurador, motivando o setor privado (cidadãos e empresas) a obter proteção no mercado segurador e não dispensando os incentivos à mitigação de risco, investindo em prevenção e em planeamento.
Não se trata de secundarizar a urgência de atuação ao nível dos fatores que causam as alterações climáticas, mas sim criar mecanismos de minimização dos impactos humanos, financeiros e patrimoniais a que estamos mais expostos do que nunca. Colocando o foco nas empresas, o tema dos riscos climáticos está inevitavelmente na agenda dos gestores, não apenas em função das politicas de ESG e da pressão regulatória e social, mas como potencial fonte de disrupção dos modelos de negócio no curto prazo pela ocorrência de um evento catastrófico que afete ativos ou cadeias de fornecimentos, assim como a médio/longo prazo, condicionando a capacidade de crescimento e prioridade/rentabilidade de investimentos: um investidor imobiliário, um industrial que pretenda construir uma nova unidade, um produtor agrícola não podem deixar de considerar o impacto do potencial agravamento e frequência de secas extremas, de cheias ou outros eventos climáticos extremos antes de avançar com qualquer investimento.
É assim essencial gerir estes riscos de uma forma muito ativa e estratégica, até porque a exposição aos mesmos não é estática, estando aliás a mudar a um ritmo sem precedentes. E se é importante a mitigação (seja nos critérios de construção ou na implementação das medidas de proteção, essenciais para garantir a resiliência de infraestruturas e acesso a soluções de seguro), a identificação de cenários futuros e a quantificação das exposições, sendo complexas, assumem um papel crucial para o futuro das empresas. Na WTW temos estado na vanguarda deste processo, colaborando com organizações de vários quadrantes e com a academia para desenhar e enriquecer modelos e ferramentas analíticas que se constituem como um suporte valioso na tomada de decisões informadas, para a gestão de riscos climáticos e para os processos de transição/descarbonização.
Citando um grande amigo, biólogo, só se conserva o que se conhece. Pois bem, cabe-nos a todos abrir realmente os olhos para o mundo maravilhoso que ainda temos e pelo qual vale a pena lutar, afinal, “ainda pode abrir”.