Em entrevista à PME Magazine, Pedro Maia, responsável da área de energias renováveis e recursos naturais da WTW Portugal, fala sobre os riscos a que as empresas do setor energético estão expostos e sobre as soluções a adotar para uma transição para a energia verde.
PME Magazine: Como é que as empresas de energia devem adaptar-se a esta nova realidade de aumento dos preços dos seguros neste setor?
Pedro Maia – Os desafios que esta nova realidade traz às empresas do setor de energia são amplos, complexos e, muitas vezes, sem histórico de experiência nos últimos anos para os gestores de risco mais recentes (como, por exemplo, a inflação e a falta de fornecimento a montante da cadeia de fornecimento). Para que exista uma adaptação é necessário uma prévia preparação e identificação da forma como os riscos associados a esses desafios podem impactar no funcionamento e na conta de resultados da empresa. Nem todos os riscos enfrentados pelo setor podem ser totalmente mitigados, absorvidos ou transferidos, mas serão as empresas que o fizerem na medida ideal que estarão mais bem posicionadas para sobreviver aos desafios futuros e enfrentar de forma mais eficaz eventuais oscilações de preços.
“Nem todos os riscos enfrentados pelo setor podem ser totalmente mitigados, absorvidos ou transferidos, mas serão as empresas que o fizerem na medida ideal que estarão mais bem posicionadas para sobreviver aos desafios futuros.”
Pedro Maia | Responsável da área de Energias Renováveis e Recursos Naturais
PME Magazine: Que impactos de curto e longo prazo esta tendência terá nas empresas portuguesas?
Pedro Maia – O impacto da Covid-19 pode ter finalmente começado a diminuir, mas agora vivemos num mundo mais incerto do que nunca, dada a atual atmosfera geopolítica, preços de energia, interrupções na cadeia de suprimentos e, é claro, mudanças climáticas. À medida que o setor de energia enfrenta essas incertezas, não há maneiras fáceis de navegar no cenário de risco transformado que o setor enfrenta. Mas uma coisa parece muito clara para nós da WTW – o papel do gestor de risco das empresas portuguesas, no turbulento clima económico e político de hoje, nunca foi tão crítico. É fundamental que cada empresa efetue a sua avaliação transversal, isto é, envolvendo vários responsáveis de cada área da empresa, para que o diagnóstico dos eventuais impactos na empresa estejam corretamente definidos e para que, antecipadamente, se possam tomar medidas para evitar, na medida do possível, que eles afetem o seu negó-cio. A modelização dos riscos, planos de contingência, de continuidade de negócio e a gestão atempada dos riscos físicos e de transição, são bons exemplos. A curto prazo pode já não ser possível ter resultados tão percetíveis, mas, a longo prazo, as empresas que o conseguirem fazer estarão muito melhor preparadas para enfrentar este “novo mundo”.
PME Magazine: Como ajudar estas empresas a uma transição energética mais eficiente tendo em conta este cenário?
Pedro Maia – A transição energética exige uma grande mudança estratégica e de investimento por parte das empresas. Claro que as energias renováveis e o armazenamento de baterias e geradores elétricos são cada vez mais considerados, mas existe, em simultâneo, uma série de novas tecnologias adicionais que levarão a continuidade da geração de energia térmica a um próximo nível. O uso de hidrogénio é um exemplo claro disso mesmo e pode levar a uma transição energética mais eficiente.
PME Magazine: A opção do hidrogénio para as turbinas a gás é vista como uma alternativa ao gás russo. Que impacto teria no panorama português?
Pedro Maia – Face aos objetivos de descarbonização e de autonomia energética da União Europeia em relação ao gás russo, o baixo teor de carbono do hidrogénio será cada vez mais uma solução a ter em consideração.
“É necessário que exista total transparência na forma, conteúdo e exploração do hidrogénio em Portugal, para que o ceticismo existente na população em relação à exploração deste gás verde seja mitigado.”
Pedro Maia | Responsável da área de Energias Renováveis e Recursos Naturais
Mas para que possa emergir é necessário um aumento de escala massivo em todas as vias de produção (matérias-primas, produção e transporte). Os custos atuais são colossais, pelo que só um investimento a nível europeu (e não por cada Estado-membro) pode fazer face à necessidade de fazer cair esses custos. Dou o exemplo da recente aprovação por parte da Comissão Europeia do Hy2Tech (como Projeto Importante de Interesse Comum) com financiamento público de 5,4 mil milhões de euros e que envolve 15 Estados-membros, entre eles Portugal. Estes tipos de projetos terão impacto significativo em Portugal, mas é necessário que exista total transparência na forma, conteúdo e exploração do hidrogénio em Portugal, para que o ceticismo existente na população em relação à exploração deste gás “verde” seja mitigado.
PME Magazine: Que outros desafios se avizinham para as empresas num futuro próximo tendo em conta os objetivos de neutralidade carbónica estabelecidos pela Comissão Europeia? Continuam a ser alcançáveis?
Pedro Maia – A escala do desafio de atingir net zero até 2050 é enorme, porque os desafios que enfrentamos agora são substancialmente diferentes e mais complexos do que os que foram contemplados na cimeira de Glasgow há cerca de 10 meses. As circunstâncias agora também se aplicam à comunidade global como um todo e a todos os setores da economia mundial. No entanto, existem questões que surgem de acontecimentos recentes, como, por exemplo, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia que fazem com que algumas decisões já tomadas tivessem de ser revertidas, como o retorno à operacionalidade de algumas centrais de carvão. Neste momento, é muito difícil responder se essas metas continuam alcançáveis, mas uma coisa é certa: se continuarem a acontecer este tipo de riscos geopolíticos, além das já existentes alterações climáticas, pandemias e agora a inflação, será cada vez mais difícil serem alcançáveis.